Novo Apagão na Enel Reacende Crítica sobre Serviço e Pressão Política Sobre Concessão

--

Por Wilian Miron e Luciana Collet para o Broadcast Energia da Agência Estado

São Paulo, 19/03/2024 – O apagão de ontem no centro da capital paulista, que deixou 38 mil moradores de bairros como Higienópolis, Santa Cecília e Vila Buarque sem luz, trouxe de volta os questionamentos sobre a qualidade do serviço prestado pela empresa e sinalizações de que poderia haver uma penalidade mais grave, como a caducidade da concessão. Contudo, para especialistas ouvidos pelo Broadcast Energia, uma ação como essa é pouco provável de acontecer, uma vez que a empresa vem cumprindo requisitos mínimos de qualidade no fornecimento e de equilíbrio econômico financeiro da concessão exigidos pelo regulador.

Hoje, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou ter convocado o presidente da distribuidora, Max Xavier, para uma reunião e disse que encaminhou ofício à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), pedindo a apuração dos fatos e a responsabilização da concessionária. Silveira também sugeriu que a empresa estaria demonstrando incapacidade de prestar serviços de qualidade à população. “É urgente a comprovação de que a empresa seja capaz de continuar atuando em suas concessões no Brasil”, disse a nota do MME.

Na avaliação do sócio do escritório CGM Advogados, Alexei Vivan, embora seja possível que alguém faça o pedido de caducidade, não haveria base jurídica para que o processo avance ao ponto de perda da concessão. “Não há base do ponto de vista jurídico e regulatório para que um pedido desses seja aceito”, disse o advogado, ao explicar que uma solicitação dessas acarretaria num processo administrativo no qual a empresa poderia apresentar suas razões e se defender. Uma caducidade sumária poderia provocar judicialização.

Vivan afirma também que mesmo numa hipótese mais remota de o pedido ser aceito, o governo ficaria com um problema que é licitar novamente a concessão e ter uma nova empresa atuando no local. Além disso, ele destaca que não vê uma relação direta entre os problemas enfrentados pela Enel e uma má gestão ou falta de investimentos. “Independentemente de quem opere concessão, vai operar da forma como consegue operar.”

Opinião semelhante tem o advogado especializado no setor elétrico André Edelstein. Para ele, contudo, as tratativas entre Enel e governo podem evoluir para a construção de um plano de ação, com medidas concretas para melhorar a qualidade do serviço. “É uma possibilidade, mas a perda da concessão seria uma medida muito extrema. O que a gente viu em outras situações relacionadas à qualidade do serviço é a definição de planos de resultados”, comentou, citando caso da Light.

Edelstein lembra que, para retirar a concessão de uma empresa, seria necessário ter uma justificativa para além da falta de energia em determinada localidade. “Não é automático assim. É um processo complexo, que tem medidas punitivas que antecedem a caducidade e um passo a passo que precisa ser seguido, entre elas abertura de processo administrativo para constatar falhas”, comentou.

Ele destacou que hoje a Aneel tem inúmeros instrumentos administrativos e de fiscalização que costumam ter efeito para induzir as empresas a melhorarem sua atuação, entre eles o acompanhamento dos trabalhos, com advertências e penalidades.

De fato, a agência reguladora já aplicou multa nos últimos meses por falhas no fornecimento. No mês passado, multou em R$ 165,8 milhões a distribuidora pela atuação durante o apagão em novembro do ano passado que afetou o fornecimento do serviço de energia a milhões de consumidores na capital paulista e região metropolitana, após uma forte tempestade.

Um assessor jurídico no setor que falou na condição de anonimato lembrou que o governo federal sequer encaminhou o processo de caducidade da distribuidora Amazonas Energia, já recomendado pela Aneel diante das limitações operacionais e financeiras apresentadas pelo atual concessionário. “Se o MME não fez nada com a Amazonas, que tem condição muito mais grave, só posso crer que essa declaração do ministro Silveira seja um mecanismo de pressão”, disse.

Renovação das concessões

Pressão política e sinalização de poder de controle também foram as palavras usadas por outros especialistas ouvidos pela reportagem. “Essa pressão política é bem complicada”, disse um advogado especializado no setor.

Ele avaliou que isso pode dificultar o caminho do grupo italiano para renovar a concessão. No entanto, sugere que a troca de concessionário não é simples. “Achar uma novo concessionária às pressas não será tão fácil, soluções populistas para assuntos complexos explodem no colo do consumidor”, disse.

O grupo Enel possui três concessões de distribuição no País. A Enel Rio tem contrato que expira em dezembro de 2026, a concessão da Enel Ceará encerra em maio de 2028 e a Enel São Paulo tem contrato até junho de 2028.

O governo federal ainda não anunciou as diretrizes para a renovação dos contratos, mas sinaliza que exigirá mais investimentos e “endurecerá” os índices que medem a qualidade do serviço e os mecanismos de fiscalização.

Conteúdo relacionado

Ver todos