Lei nº 14.470: haverá novos incentivos para a disseminação da reparação de danos por práticas anticompetitivas?

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Na última quinta-feira, 17/11/2022, foi promulgada a Lei nº 14.470, que traz alterações importantes à Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011), quanto à possibilidade de reparação de danos por pessoas físicas e jurídicas que se sintam lesadas por acordos ilegais adotados por concorrentes. A seguir, apresentaremos uma breve síntese das mudanças contidas na nova norma e, ao final, nossos comentários sobre o futuro vislumbrado para as ações judiciais de reparação de danos concorrenciais.

Dentre as alterações trazidas pela nova lei, menciona-se o direito à indenização em dobro ao valor do dano sofrido, sem prejuízo da aplicação das sanções administrativas que possam ser impostas pela autoridade antitruste brasileira, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), ou até mesmo de sanções penais, na hipótese de existir investigação criminal pela prática de cartel. Com o objetivo de manter os incentivos ao programa de leniência e aos acordos atualmente em vigor, a nova lei manteve o dever de ressarcimento ao valor do dano causado apenas, não se aplicando a indenização em dobro aos signatários de acordos com o CADE. A esses beneficiários, tampouco se aplica a responsabilidade solidária, prevista no artigo 942 do Código Civil, como regra geral em caso de coautoria.

Outra inovação trazida pela Lei nº 14.470 diz respeito à prova do repasse aos consumidores de qualquer sobrepreço existente como resultado de um acordo ilícito entre concorrentes. Antes da vigência da nova lei, o repasse aos consumidores do sobrepreço resultante da prática de cartel era presumida e não havia dispositivo legal que tratasse do tema. Portanto, as ações indenizatórias existentes baseavam-se na presunção, cabendo às partes de uma ação de indenização discutir o montante do dano alegado e não havia qualquer dispositivo legal que tratasse do ônus da prova. A nova lei prevê que essa presunção de sobrepreço deixa de existir e que deverá ser comprovada pela parte que o alegar em sua defesa. A Lei dispõe, ainda, que a decisão tomada pelo Plenário do CADE pode justificar a concessão de tutela de urgência.

Uma última alteração importante trazida pela nova lei diz respeito à prescrição. A Lei aumenta de 03 para 05 anos o prazo para o ajuizamento da ação de reparação de danos. Se antes não havia previsão específica sobre o dies a quo para a contagem do prazo prescricional, a Lei nº 14.470 dispõe que esse prazo é contado da ciência inequívoca do ilícito (ou seja, a “publicação do julgamento final do processo administrativo pelo CADE”). Estabelece, ainda, que o prazo prescricional não se aplica durante o curso de investigações conduzidas pelo CADE.

Apesar dos inegáveis avanços para o aprimoramento da reparação de danos privados por infração à ordem econômica trazidos pela Lei nº 14.470, os principais desafios à efetividade do instituto ainda existem. Dentre eles, mencionamos as dificuldades na individualização e quantificação do dano, que, muitas vezes, exige a produção de prova pericial a partir de documentos contábeis com mais de 05 anos e que podem já ter sido descartados pelas empresas condenadas pelo CADE. Além disso, apesar dos avanços do CADE no cálculo da vantagem auferida em práticas anticompetitivas, a prova do repasse dessa vantagem ao consumidor não é simples e conta, na maior parte dos casos, com uma presunção (relativa) para condenação pelo CADE. Esses desafios podem significar uma prestação jurisdicional morosa ou, no pior cenário, incompleta. Por fim, os benefícios aplicados aos signatários de acordos com o CADE implicam na redução dos incentivos ao enforcement privado, em detrimento dos incentivos à celebração de acordos com o CADE, na medida em que implica em diminuição dos valores a serem pagos a título de indenização.

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