Regulamentação do mercado de apostas de quota fixa no Brasil
Impactos da Lei nº 14.790/2023
Em 30/12/2023, foi publicada a Lei nº 14.790, que dispõe sobre a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa, dentre outros assuntos correlatos. A lei é um importante marco para o cenário de apostas no Brasil e traz uma série de novidades e obrigações às empresas do setor. Confira a seguir as principais novidades trazidas pela Lei nº 14.790/2023.
DEFINIÇÕES
*Quota fixa – fator de multiplicação do valor apostado que define o montante a ser recebido pelo apostador, em caso de premiação.
EXPLORAÇÃO DAS APOSTAS DE QUOTA FIXA
Para explorar apostas de quota fixa, é necessário obter uma autorização do Ministério da Fazenda.
Esta autorização:
- não estará sujeita a quantidade mínima ou máxima de agentes operadores;
- terá caráter personalíssimo, inegociável e intransferível; e
- poderá, a critério do Ministério da Fazenda, ser outorgada com prazo de duração de até 5 anos.
A autorização poderá ser revista quando houver fusão, cisão, incorporação, transformação, transferência ou modificação de controle societário direto ou indireto do agente operador de apostas.
Valor a ser pago pela autorização
- até R$ 30 milhões, para o uso de até 3 marcas comerciais por autorização.
Requisitos gerais para solicitar a autorização
- ser uma pessoa jurídica constituída segundo a legislação brasileira, com sede e administração no território nacional;
- atender às exigências constantes da regulamentação editada pelo Ministério da Fazenda, que estabelecerá ao menos:
- valor mínimo e forma de integralização do capital social da pessoa jurídica interessada;
- exigência de comprovado conhecimento e experiência em jogos, apostas ou loterias de pelo menos um dos integrantes do grupo de controle da pessoa jurídica interessada;
- requisitos para posse e exercício de cargos de direção ou gerência nas pessoas jurídicas interessadas;
- designação de diretor responsável pelo relacionamento com o Ministério da Fazenda e de diretor responsável pelo atendimento aos apostadores e pela ouvidoria;
- estrutura e funcionamento de serviço de atendimento aos apostadores e componente de ouvidoria do agente operador;
- requisitos técnicos e de segurança cibernética, com a exigência de certificação reconhecida nacional ou internacionalmente;
- integração ou associação do agente operador a organismos de monitoramento da integridade esportiva;
- possuir um brasileiro como sócio detentor de ao menos 20% do capital social da pessoa jurídica;
- Possuir políticas, procedimentos e controles internos relativos ao atendimento aos apostadores e ouvidoria; prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa; jogo responsável e prevenção aos transtornos de jogo patológico; e integridade de apostas e prevenção à manipulação de resultados e outras fraudes; dentre outras condições estabelecidas no regulamento a ser editado pelo Ministério da Fazenda.
TRIBUTAÇÃO
Para agentes operadores de apostas:
O produto da arrecadação obtida com todos os jogos, após o pagamento dos prêmios e o pagamento do Imposto de Renda Retido na Fonte incidente sobre a premiação, será tributado a 12% sobre o Gross Gaming Revenue. Além desta tributação específica para este setor, os operadores também estão sujeitos aos tributos corporativos como IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e ISS.
Para apostadores:
Os prêmios obtidos com apostas de quota fixa e/ou fantasy sport serão tributados pelo Imposto de Renda das Pessoas Físicas à alíquota de 15%.
PUBLICIDADE E PROPAGANDA
A Lei 14.790/2023 trouxe uma série de exigências para as ações de comunicação, publicidade e marketing de loterias de apostas de quota fixa, as quais serão detalhadas em regulamentação do Ministério da Fazenda.
A regulamentação do Ministério da Fazenda exigirá, ao menos:
- veiculação de avisos de desestímulo ao jogo e de advertência sobre seus malefícios pelos agentes operadores;
- ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, bem como da proibição de participação de menores de 18 anos; e
- destinação da publicidade e da propaganda das apostas ao público adulto, de modo a não ter crianças e adolescentes como público-alvo.
Além disso, é vedado ao agente operador de apostas de quota fixa veicular publicidade ou propaganda comercial que:
- divulgue marca, símbolo ou denominação de pessoas jurídicas ou naturais, ou dos canais eletrônicos ou virtuais por elas utilizados, que não possuam a autorização do Ministério da Fazenda;
- contenha afirmações infundadas sobre as probabilidades de ganhar ou sobre os possíveis ganhos;
- apresente aposta como socialmente atraente ou contenha afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social;
- sugira que a aposta pode constituir alternativa ao emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional ou forma de investimento financeiro;
- ofenda crenças culturais ou tradições do País, especialmente aquelas contrárias à aposta; e
- promova o marketing de apostas em escolas e universidades ou dirigido a menores de idade.
- divulgue marca, símbolo ou denominação de pessoas jurídicas ou naturais, ou dos canais eletrônicos ou virtuais por elas utilizados, que não possuam a autorização do Ministério da Fazenda;
- contenha afirmações infundadas sobre as probabilidades de ganhar ou sobre os possíveis ganhos;
- apresente aposta como socialmente atraente ou contenha afirmações de personalidades conhecidas ou de celebridades que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social;
- sugira que a aposta pode constituir alternativa ao emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional ou forma de investimento financeiro;
- ofenda crenças culturais ou tradições do País, especialmente aquelas contrárias à aposta; e
- promova o marketing de apostas em escolas e universidades ou dirigido a menores de idade.
A publicidade ou propaganda deverá conter aviso de classificação indicativa da faixa etária direcionada (i.e. maiores de 18 anos).
Empresas divulgadoras de publicidade ou de propaganda, incluindo provedores de aplicação de internet, deverão excluir divulgações e campanhas irregulares após notificação do Ministério da Fazenda.
Empresas provedoras de conexão à internet e de aplicações de internet (inclusive aquelas que ofertam aplicações de terceiros) deverão bloquear sites ou excluir aplicativos que ofertem a loteria de apostas de quota fixa em desacordo com as disposições acima, após notificação do Ministério da Fazenda.
O Conselho Nacional da Autorregulamentação Publicitária (“CONAR”) divulgou o “Anexo X” ao Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária tratando das orientações, regras e princípios para a realização de anúncios envolvendo apostas de quota fixa, o qual entrará em vigor em 29 de janeiro de 2024.
Dentre as orientações do CONAR, destacamos:
- o nome do anunciante e a identificação da sua autorização outorgada pelo Ministério da Fazenda devem ser claramente mencionados no anúncio;
- as publicidades devem conter informações verdadeiras, abstendo-se de veicular qualquer tipo de informação enganosa ou que possa induzir os consumidores ao erro quanto às chances de ganhos;
- crianças e adolescentes não podem ser público-alvo e as publicidades não podem apresentar as apostas como atividade socialmente atrativa ou como alternativa ao emprego (reforçando disposições da Lei nº 14.790/2023); e
- a sugestão de frases a serem incluídas nas publicidades relativas ao jogo responsável, tais como “Jogue com responsabilidade”; “Apostar pode levar à perda de dinheiro”; “Aposta não é investimento”, dentre outras.
FISCALIZAÇÃO, INFRAÇÕES E PENALIDADES
Sem prejuízo da fiscalização por outros órgãos públicos, o Ministério da Fazenda fiscalizará a atuação dos agentes operadores, por meio da disponibilização de acesso aos sistemas utilizados pelos agentes operadores, envio de informações, documentos, relatórios, dentre outros procedimentos.
Exemplos de ações que constituem infrações administrativas:
- explorar loteria de apostas de quota fixa sem a autorização do Ministério da Fazenda;
- realizar atividades vedadas, não autorizadas ou em desacordo com a autorização concedida;
- deixar de fornecer (ou fornecer incorretamente/fora do prazo) documentos, dados ou informações ao Ministério da Fazenda (ou órgão administrativo competente) cuja remessa seja imposta por lei ou regulamento; e
- executar, incentivar, permitir ou, de qualquer forma, contribuir para práticas atentatórias à integridade esportiva, à incerteza do resultado esportivo, à igualdade entre os competidores e à transparência das regras aplicáveis.
A divulgação de publicidade ou propaganda comercial de operadores de loteria de apostas de quota fixa não autorizados também está definida como infração administrativa, produzindo efeitos após a entrada em vigor da regulamentação do Ministério da Fazenda que permita aos agentes operadores obter suas autorizações para explorar apostas de quota fixa.
As penalidades aplicáveis aos agentes que cometerem infrações englobam advertência, multas no valor de 0,1% a 20% sobre o produto da arrecadação (limitadas a R$ 2 bilhões por infração), suspensão parcial ou total do exercício de suas atividades por até 180 dias, cassação da autorização, proibição de realizar determinadas atividades por até 10 anos, dentre outras.
Podem ser aplicadas medidas coercitivas e acautelatórias antes da instauração ou durante a tramitação do processo administrativo sancionador, tais como a desativação temporária de sistemas e a suspensão de pagamento de prêmios.
OUTRAS DISPOSIÇÕES DA LEI Nº 14.790/2023
- Transações de pagamento
- vedação a transações com a finalidade de realizar apostas de quota fixa com operadores não autorizados nos termos da lei;
- apenas instituições brasileiras autorizadas a funcionar pelo Bacen podem intermediar pagamentos entre o apostador e o agente operador; e
- adoção de procedimentos de identificação dos apostadores com utilização da tecnologia de identificação e reconhecimento facial, confrontação de dados de cadastro com bancos de dados públicos e privados, e confirmação da identidade por meio de canais de comunicação do apostador (e-mail, SMS, aplicativo de mensagens, etc.).
- Quem não pode apostar?
- Lei nº 14.790/2023 impede que determinadas pessoas possam apostar. Por exemplo: menores de 18 anos de idade, pessoas que possam ter influência no resultado do evento, pessoas diagnosticadas com ludopatia, dentre outros.
- Direitos dos apostadores
Para além dos direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor, a Lei nº 14.790/2023 traz direitos específicos aos apostadores:
- Direito à informação e à orientação adequadas e claras sobre:
- regras e das formas de utilização de sistemas, equipamentos etc.;
- condições e os requisitos para acerto da aposta e aferição do prêmio; e
- riscos de perda dos valores das apostas e transtornos de jogo patológico.
- Direito à proteção dos dados pessoais, conforme a LGPD.
- Restrições aos agentes operadores
- Agentes operadores (incluindo suas controladas e controladoras) não podem:
- adquirir, licenciar ou financiar a aquisição de direitos de eventos desportivos no Brasil para qualquer forma de exibição;
- conceder adiantamento, antecipação, bonificação ou vantagem prévia para a realização de aposta;
- firmar qualquer tipo de negócio para viabilizar ou facilitar o acesso a crédito pelo apostador; e
- instalar ou permitir que se instale em seu local físico qualquer estabelecimento que conceda crédito ou realize operação de fomento mercantil a apostadores.
- Agentes operadores (incluindo suas controladas e controladoras) não podem:
- Segurança e Integridade
- Agentes operadores devem adotar mecanismos de segurança e integridade na realização da loteria de apostas de quota fixa, realizando ações de mitigação de manipulação de resultados e corrupção em eventos reais de temática esportiva.
- Apostas realizadas com a finalidade de obter ou assegurar vantagens ou ganhos com manipulação de resultados ou corrupção em eventos reais de temática esportiva são nulas.
PERSPECTIVAS PARA O FUTURO
A expectativa é que o Ministério da Fazenda regulamente o conteúdo da Lei nº 14.790/2023 nos próximos meses, possibilitando às empresas do setor solicitarem suas autorizações para operar e detalhando requisitos e condições previstos na lei. O Ministério da Fazenda estabelecerá condições e prazos, não inferiores a 6 meses, para a adequação das pessoas jurídicas que estiverem em atividade às disposições da lei e da regulamentação a ser editada.
Este boletim tem propósito meramente informativo e não deve ser considerado a fim de se obter aconselhamento jurídico sobre qualquer um dos temas aqui tratados. Para informações adicionais, contate nossos sócios:
Marcia Mandelbaum – marcia.mandelbaum@cgmlaw.com.br
José Antonio – jose.martho@cgmlaw.com.br