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Artigo

20 de maio de 2025

Regime Centralizado de Execuções na Lei da SAF: uma nova solução jurídica para a reestruturação de dívidas dos clubes de futebol

Por André de Santis Ferraz, Gabriel Taralli Rocha de Moraes e Marcos D’Angelo.

O Regime Centralizado de Execuções (RCE) é um mecanismo jurídico instituído pela Lei nº 14.193/2021, que trata da Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Ele foi criado como uma alternativa à recuperação judicial ou extrajudicial, com o propósito de permitir que clubes e associações civis desportivas nacionais reorganizem suas finanças e solucionem de forma estruturada o pagamento de dívidas acumuladas ao longo do tempo. Em palavras mais simples: parte da receita recebida pela associação esportiva é vinculada ao pagamento de uma “fila” de credores.

O RCE está disciplinado na Seção V da referida lei, que trata especificamente da forma de quitação das obrigações das entidades esportivas. Por meio desse regime, todas as execuções judiciais, receitas e valores arrecadados passam a ser centralizados em um único juízo, denominado juízo centralizador, que será responsável pela administração e distribuição ordenada dos recursos entre os credores. O pedido deverá ser destinado ao Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, em caso de dívidas trabalhistas ou ao Presidente do Tribunal de Justiça, em caso de dívidas cíveis.

Vale mencionar que o RCE é inspirado no Procedimento de Reunião de Execuções (PRE) do Tribunal Superior do Trabalho, regulamentado pelo provimento n. 1/CGJT de 9 de fevereiro de 2018 (“Ato Trabalhista”), que inclui duas fases: o Plano Especial de Pagamento Trabalhista (PEPT) e o Regime Especial de Execução Forçada (REEF).

É bom que se diga que o RCE é limitado a dívidas trabalhistas e cíveis, excluindo dívidas tributárias, que terão o seu curso e forma de pagamento previstos na legislação específica.

O clube que requerer o RCE deve apresentar, em 60 dias, um plano de pagamento aos credores, acompanhado de documentos contábeis e termo de compromisso de controle orçamentário.

Embora a Lei da SAF permita a recuperação judicial dos clubes, o RCE oferece vantagens significativas. Conquanto ele não apresente um tipo de deságio em favor do devedor, o regime é atraente para clubes com dívidas de grande valor, especialmente porque a atualização monetária do montante devido é feita pela taxa Selic durante o regime de pagamentos, funcionando o RCE como uma blindagem do patrimônio do clube ou da associação civil desportiva enquanto os pagamentos são cumpridos (stay period).

Como funciona a adesão ao Regime Centralizado de Execuções?

Para ingressar no RCE, a associação esportiva precisa apresentar um plano de credores, cujo objetivo é demonstrar de maneira clara e transparente como pretende quitar seus débitos. Esse plano deve conter uma série de documentos obrigatórios, dentre eles:

  • Balanço patrimonial;
  • Demonstrações contábeis dos últimos três exercícios;
  • Fluxo de caixa e projeção para os próximos três anos;
  • Dívidas consolidadas e estimativas auditadas das que ainda estão em discussão judicial;
  • Termo de compromisso de controle orçamentário.

Ordem de prioridade dos pagamentos

A Lei nº 14.193/2021 estabelece uma ordem de prioridade para o pagamento dos credores, favorecendo aqueles em situação de maior vulnerabilidade. De acordo com o art. 17 da referida Lei, a ordem de prioridade é a seguinte:

  • Idosos;
  • Pessoas com doenças graves;
  • Credores com créditos salariais inferiores a 60 salários-mínimos;
  • Gestantes;
  • Vítimas de acidentes de trabalho ocorridos no clube;
  • Credores que aceitaram acordos com pelo menos 30% de redução do valor da dívida original.

Importante ressaltar que, em caso de concorrência entre os créditos, os processos mais antigos terão preferência.

Prazos e vantagens do regime

O RCE possui um prazo inicial de 6 anos, podendo ser prorrogado por mais 4 anos, caso o clube comprove o pagamento de, no mínimo, 60% do passivo original. Durante a vigência do regime, o clube conta com uma importante vantagem: a proteção contra penhoras e bloqueios judiciais sobre seu patrimônio e receitas, desde que esteja em dia com os pagamentos previstos.

Além disso, se ao final do prazo ainda restarem dívidas, a SAF poderá ser responsabilizada de forma subsidiária, respeitados os limites estabelecidos pela Lei nº 14.193/2021.

Caso prático e credibilidade no mercado

Clubes como Flamengo e Guarani tiveram sucesso na reorganização de dívidas trabalhistas com a regulamentação do “Ato Trabalhista”. O Botafogo Futebol Clube (Botafogo de Ribeirão Preto) aderiu em 2018 ao “Ato Trabalhista”, já que enfrentava uma grave crise trabalhista, comprometendo todos os recursos recebidos pelo clube, os quais eram frequentemente penhorados, inviabilizando a continuidade de suas atividades.

Por meio do referido Ato, o Botafogo de Ribeirão Preto conseguiu, no período de 4 anos (2018-2021), quitar mais de 90% de suas dívidas trabalhistas, além de reduzir pela metade o número de processos trabalhistas em curso contra o clube.

A instituição do RCE pela Lei nº 14.193/2021, reforça a preocupação e o grande papel do legislador e do próprio judiciário na reorganização de dívidas de clubes de futebol brasileiros, que há anos encontravam extrema dificuldade para se organizar financeiramente diante das execuções/penhoras que sofrem em suas contas.

Vale mencionar que a principal diferença entre o Regime Centralizado de Execuções (RCE) e o “Ato Trabalhista” reside no escopo de aplicação: enquanto o “Ato Trabalhista” se restringe às dívidas de natureza trabalhista, o RCE abrange dívidas cíveis e trabalhistas direta ou indiretamente relacionadas com o futebol.

Com a ampliação da natureza das dívidas abrangidas pelo RCE, o mecanismo se consolida como uma ferramenta crucial para a recuperação financeira dos clubes de futebol no Brasil. O sucesso de casos anteriores demonstra que, quando bem implementado, o regime oferece credibilidade e confiança, sendo uma solução robusta e eficaz para reverter a crise financeira no setor esportivo.

Considerações finais

O Regime Centralizado de Execuções representa uma ferramenta valiosa para os clubes de futebol que buscam equilibrar suas finanças sem a necessidade de recorrer à recuperação judicial. Por meio desse regime, é possível promover o pagamento dos débitos de forma organizada, sob supervisão judicial, e com garantias tanto para os credores quanto para a sustentabilidade do clube ou da SAF.

O CGM Advogados possui advogados capacitados para apoiar Clubes que pretendam avaliar a viabilidade de adesão ao Regime Centralizado de Execuções (RCE).


Este boletim tem propósito meramente informativo e não deve ser considerado a fim de se obter aconselhamento jurídico sobre qualquer um dos temas aqui tratados. Para informações adicionais, contate os líderes da área de Direito no Futebol. CGM Advogados. Todos os direitos reservados.

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