CVM Lança Consulta Pública para a Definição das Novas Regras de Simplificação na Emissão de Debêntures.
A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) divulgou, em 26 de novembro de 2024, o Edital de Consulta Pública SDM nº 02/24 (“Edital”), com o objetivo de regulamentar as inovações trazidas pela Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023 (“Lei nº 14.711/23”), especialmente no que se refere à simplificação do processo de emissão de debêntures, conforme antecipado em nosso recente artigo (Aprimoramento dos Procedimentos de Emissão de Debêntures). Essa proposta faz parte da Agenda Regulatória CVM 2024, em linha com as disposições dos arts. 59, §5º e 62, §5º da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, conforme alterada (“Lei das Sociedades por Ações”), e tem como objetivo simplificar o processo de emissão de debêntures na medida em que (i) elimina a exigência de arquivamento da escritura de emissão nas respectivas Juntas Comerciais, e (ii) elimina a exigência de publicação em jornais dos atos societários relacionados às debêntures o que, consequentemente, reduz os custos incorridos com as emissões. Além disso, a CVM tem interesse em ouvir o mercado e debater sobre a implementação prática do desmembramento do valor nominal, dos juros e demais direitos atribuídos aos debenturistas, conforme permitido por meio da alteração promovida pela Lei nº 14.711/23, ao inserir o inciso IX ao artigo 59 da Lei das Sociedades por Ações.
Nesse contexto, a CVM traz a referida consulta pública e propõe uma minuta com alterações pontuais nas Resoluções CVM nº 80, de 29 de março de 2022 (“Resolução CVM 80”), e nº 160, de 13 de julho de 2022 (“Resolução CVM 160”), visando contemplar as inovações trazidas pela Lei nº 14.711/23 (“Minuta”).
Dentre os principais tópicos indicados no referido Edital da consulta pública, destacam-se:
- Simplificação nos Procedimentos de Emissão de Debêntures:
- Ato Societário que Aprova a Emissão de Debêntures
A Lei nº 14.711/23 introduziu o parágrafo 5º ao artigo 62 da Lei das Sociedades por Ações, trazendo responsabilidade à CVM para disciplinar sobre o registro e divulgação do ato societário de emissão das debêntures. No entanto, como bem apontado pela própria CVM no Edital após analisar e interpretar as demais redações das leis relacionadas ao tema, a exigência e rotina de arquivamento do ato societário nos respectivos registros do comércio (i.e., as Juntas Comerciais) já está devidamente regulada (vide inciso I do artigo 62, da Lei das Sociedades por Ações). Assim, a Minuta limita-se a disciplinar apenas o trecho referente à forma de publicação e divulgação do ato societário da emissão.
As regulamentações atuais da CVM já disciplinam adequadamente essa obrigação para os emissores registrados nas categorias A ou B, no que diz respeito às assembleias e reuniões de conselho de administração. Resta para a Minuta, portanto, disciplinar o assunto para os atos societários tomados em reunião de diretoria desses emissores, assim como contemplar obrigação similar para os emissores em geral (registrados e não registrados) que realizem emissão nos termos da Resolução CVM 160.
Com isso, a Minuta propõe a inclusão de novos incisos aos artigos 33 e 34 da Resolução CVM 80, direcionados especificamente às companhias que tenham registro de emissor perante a CVM nas categorias A ou B, de forma a prever o envio das atas de diretoria que deliberem sobre a emissão das debêntures em até sete dias úteis contados de sua realização, por meio do sistema eletrônico Empresas.NET, disponível na página da CVM (“ENET”).
Para emissores não registrados e, portanto, não sujeitos à Resolução CVM 80 (i.e., companhias fechadas), a Minuta propõe a inclusão do inciso VIII ao artigo 89 da Resolução CVM 160, para contemplar quaisquer atos societários que deliberem sobre a emissão de debêntures que venham a ser ofertadas publicamente.
- Escritura de Emissão de Debêntures
Com o objetivo de simplificar as emissões de debêntures e, consequentemente, reduzir custos e burocracias, a Lei nº 14.711/23 suprimiu a exigência de registro da escritura de emissão perante as Juntas Comerciais. No entanto, assim como em relação aos atos societários, a lei atribuiu à CVM a competência para disciplinar sobre o registro e a divulgação da escritura de debêntures.
Nesse sentido, e unicamente para as emissões de debêntures objeto de oferta pública ou admitidas à negociação, a Minuta propõe ajustes adicionais nas Resoluções CVM 80 e 160, a fim de prever o envio da escritura de emissão e seus aditamentos à CVM pelo respectivo emissor das debêntures, o que será feito por meio do sistema ENET.
Dessa forma, a CVM entende que esse procedimento é adequado para regular a previsão de registro e divulgação indicada no parágrafo 5º do artigo 62 da Lei das Sociedades por Ações, aplicável tanto para os emissores registrados como os emissores não registrados.
- Inclusão do Relatório de Informações Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade
Aproveitando as modificações pontuais na Resolução CVM 80, a CVM propõe incluir o relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade entre as obrigações periódicas estabelecidas no artigo 22 da respectiva regulamentação. A CVM esclarece que a inclusão não cria novas exigências para os emissores, pois a apresentação desse relatório continuará seguindo as diretrizes da Resolução CVM nº 193, de 20 de outubro de 2023. O objetivo, assim, é apenas consolidar as obrigações periódicas dos emissores de valores mobiliários, trazendo clareza e aprimorando a organização das normas existentes.
- Desmembramento das Debêntures
A Lei nº 14.711/2023 introduziu a possibilidade de desmembramento do valor nominal das debêntures, dos juros e dos demais direitos dos debenturistas. Esse mecanismo permite que os votos nas deliberações de assembleia sejam computados com base no direito econômico proporcional detido por cada titular, viabilizando a negociação separada desses componentes no mercado secundário. Essa inovação alinha o mercado brasileiro a práticas já comuns em mercados internacionais, ampliando a atratividade das debêntures para diferentes perfis de investidores.
A Lei nº 14.711/2023 também delegou à CVM a competência para disciplinar e regulamentar esse tema. Contudo, conforme apontado no Edital e com base interações da autarquia com alguns participantes do mercado, entende-se que não são necessários ajustes regulatórios imediatos para implementar tal prática nova disposição. Porém, a CVM manifestou interesse em receber comentários e sugestões do mercado, incluindo propostas de redação para um eventual ato normativo sobre o assunto.
- Conclusão
Diante das alterações propostas na Minuta, podemos resumir as alterações da seguinte forma:
Atualmente | Proposta | |
1. Registro do ato societário de debêntures | Arquivamento em Junta Comercial | Inalterado |
2. Divulgação e publicidade do ato societário | Aguardando regulamentação CVM | Envio do ato societário via sistema ENET, em até 7 dias úteis após realização |
3. Registro e divulgação da escritura de debêntures | Exigência revogada pela Lei nº 14.711/23, e aguardando regulamentação CVM para debêntures distribuídas em ofertas públicas ou admitidas à negociação | Envio da escritura de emissão via sistema ENET |
4. Desmembramento de debêntures | Aguardando regulamentação CVM | CVM aguarda sugestões dos participantes |
A simplificação do processo de emissão de debêntures tem o potencial de:
- Reduzir custos e burocracia para as companhias emissoras, incentivando a captação de recursos por meio desse instrumento.
- Aumentar a eficiência do mercado de capitais brasileiro, tornando-o mais atrativo para investidores nacionais e estrangeiros.
- Estimular a liquidez no mercado secundário de títulos de renda fixa privada, especialmente com a possibilidade de desmembramento das debêntures.
A proposta da CVM sinaliza um avanço na modernização do mercado de capitais brasileiro, alinhando-o às demandas dos participantes e às melhores práticas internacionais, sem comprometer a transparência e a segurança do mercado.
A Minuta proposta no Edital encontra-se em processo de consulta pública e aberta para comentários de todos os participantes do mercado, os quais poderão enviar suas manifestações ou sugestões até o dia 10 de janeiro de 2025, por meio do endereço eletrônico conpublicaSDM0124@cvm.gov.br.
O CGM Advogados conta com uma equipe especializada em Mercado de Capitais e irá enviar contribuições à CVM no contexto dessa consulta pública. Caso tenha interesse em participar, nosso time estará pronto para auxiliar na elaboração e envio de contribuições, e à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas, reunindo as considerações dos nossos clientes e assegurando um processo de participação mais eficiente e estruturado.
Autores:
Luiz Rafael de Vargas Maluf – sócio da área de Mercado de Capitais
(rafael.maluf@cgmlaw.com.br)
Luiz Gustavo Panizza Brandão Britts – advogado da área de Mercado de Capitais (gustavo.brandao@cgmlaw.com.br)