Nova Lei de Licitações

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Após mais de um quarto de século, a Lei 8.666/93 será aposentada. A nova Lei de Licitações (nº 14.133/2021) surge com objetivos ambiciosos: dentre eles, implementar mecanismos de contratação mais modernos e ágeis, com elementos de responsabilidade social e ambiental, e consolidar em uma única lei regras que atualmente estão dispersas entre a Lei do Pregão, a Lei do RDC e a própria Lei 8.666/93.

Nem todas essas metas foram alcançadas no texto aprovado pelo Presidente da República em 01/04/2021. Há muitos avanços, mas permanecemos com uma lei muito formalista e excessivamente detalhada. É difícil justificar, por exemplo, a necessidade para um texto ainda mais detalhado e burocrático que o encontrado na Lei 8.666/93 (a nova lei aumenta em quase 50% o número de artigos da lei anterior).

Preparamos um “Q&A” com 13 perguntas e respostas direto ao ponto sobre a Lei 14.133/2021.

Na segunda seção, analisamos em detalhes algumas das principais inovações trazidas pela nova lei.

Perguntas e Respostas Sobre a Lei 14.133/2021

1. Quais leis serão revogadas pela Lei 14.133/2021?

A Lei 8.666/93, a Lei 10.520/2002 (a Lei do Pregão) e parte da Lei 12.462/2011 (a Lei do RDC).

2. E a Lei das Estatais?

Permanece em vigor. Nada muda em relação às contratações realizadas pelos entes da Administração Pública Indireta.

3. Quando a Lei 14.133/2021 entra em vigor?

Já está em vigor, mas a revogação das normas acima ocorrerá no prazo de dois anos. Nesse período, os órgãos administrativos poderão licitar e contratar de acordo com a Lei 14.133/2021 ou com as leis indicadas na resposta à primeira questão. As empresas precisarão redobrar a atenção ao participar de licitações nesse período.

4. Quais as modalidades de licitação na nova lei?

Pregão, concorrência, concurso, leilão e diálogo competitivo. Tomada de preços e convite deixam de existir. O RDC, que hoje é uma modalidade licitatória, deixa de existir dessa forma, mas boa parte de suas práticas tem aplicação facultada nas modalidades previstas na Lei 14.133/2021.

5. O sistema de registro de preços e o procedimento de manifestação de interesse permanecem?

Sim. A Lei 14.133/2021 mantém o sistema de registro de preços e o procedimento de manifestação de interesse como “procedimentos auxiliares” das licitações e das contratações. Os respectivos decretos não serão revogados.

6. Em que medida a nova lei recepciona temas tratados na jurisprudência do Tribunal de Contas da União?

A Lei 14.133/2021 acolheu muitos procedimentos e orientações que foram objeto, inicialmente, dos julgados do TCU. Exemplos: definições de superfaturamento e sobrepreço; possibilidade de indicação de marca (desde que a escolha seja motivada); credenciamento; imposição de práticas de boa gestão e governança nas contratações públicas; vistoria prévia ao local da obra apenas quando imprescindível ao cumprimento das obrigações contratuais, podendo ser substituído por declaração; dentre outros.

7. O que é pré-qualificação para uma licitação?

Um procedimento técnico-administrativo para selecionar previamente (a) licitantes com condições de habilitação para futura licitação e (b) bens que atendam às exigências técnicas determinadas. É considerado um procedimento auxiliar” das licitações e das contratações regidas pela Lei 14.133/2021.

8. Os modos de disputa e critérios para julgamento das propostas mudaram?

Os critérios de julgamento são: menor preço, maior desconto, melhor técnica ou conteúdo artístico, técnica e preço, maior lance e maior retorno econômico. O último critério é uma novidade.

9. A Lei 14.133/2021 altera o Código Penal?

Sim. A seção de crimes em licitações e contratos administrativos – como contratação direta ilegal, fraude em licitação, patrocínio de contratação indevida e outros – deixa a Lei de Licitações e passa a integrar o Código Penal.

10. A nova lei prestigia o princípio do formalismo moderado?

Em parte. Uma das regras nesse sentido é que o desatendimento de exigências “meramente formais” que não comprometam a verificação da qualificação do licitante ou de sua proposta não levarão ao seu afastamento da licitação ou invalidação do processo. Por outro lado, o texto da nova lei exige um grau significativo de rigor formal nas diversas etapas do procedimento de licitação.

11. A nova lei só admite licitações em meio eletrônico?

Não. As licitações devem ocorrer preferencialmente de forma eletrônica, mas a opção pela forma presencial é válida, desde que justificada e que a sessão seja gravada (em áudio e vídeo).

12. O RDC foi uma “inspiração” para a Lei 14.133/2021?

Sem dúvida. A nova lei incorpora várias inovações trazidas pelo RDC, como “inversão” de fases na análise de propostas, o orçamento sigiloso, contratação integrada, a fase de lances (aberta ou fechada) e a matriz de riscos.

13. O orçamento preparado pela Administração pode ser sigiloso?

A regra é que o orçamento seja público. Desde que devidamente justificado, poderá ser mantido em sigilo até que se finalize a fase de julgamento das propostas.

Principais inovações trazidas pela nova lei:

Destaque #1 – Diálogo competitivo, nova modalidade de licitação

Palavras-chave: alta complexidade, consulta ao mercado, desenvolvimento conjunto

O que é?

Nova modalidade de licitação para obras, serviços e compras que envolvem alta complexidade e/ou tecnologia, de difícil descrição técnica por parte da Administração.

Na primeira etapa, a Administração consulta o setor privado para desenvolver uma solução para o fim que se deseja alcançar; ou seja, juntamente com o mercado, a Administração tenta definir o “objeto” da licitação. Na segunda etapa, os licitantes apresentam propostas para executar o “objeto” definido.

Em que situações poderá ser utilizada?

Será aplicável quando: (1) o produto requerido for extremamente exclusivo (por exemplo: produtos com inovações técnicas ou tecnológicas, produtos ainda inexistentes no mercado etc.), ou (2) for necessário definir os meios que possam satisfazer à necessidade da Administração.

Poderá ser utilizada nas licitações de concessões de serviços públicos e parcerias públicoprivadas.

Destaque #2 – Dispensa de licitação: novos valores

Palavra-chave: contratação direta

O que é?

Novos tetos de valores para contratação com dispensa de licitação e possibilidade de dispensa para contratação que mantenha todas as condições definidas em edital de licitação realizada há menos de um ano.

Quais são os novos valores?

— R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia

— R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para serviços e compras

Em que casos pode haver contratação direta de produto ou serviço previsto em edital de licitação realizada há menos de 1 ano?

Quando a licitação foi deserta ou fracassada, pois:

— não surgiram licitantes interessados;

— não foram apresentadas propostas válidas;

— as propostas apresentadas tinham valores superiores aos de mercado.

Importante: a contratação deve manter todas as condições definidas no edital de licitação.

Outras novidades

A contratação com dispensa de licitação poderá ser realizada para aquisição de medicamentos destinados ao tratamento de doenças raras.

Nos casos de emergência ou de calamidade pública, pode haver contratação com dispensa de licitação de serviços (ou parcelas de serviços) que possam ser concluídos no prazo máximo de um ano.

Destaque #3 – Extinção do contrato

Palavras-chave: inadimplemento, rescisão unilateral, meios alternativos de solução de controvérsias, atraso

O que é?

Cláusula contratual que define as hipóteses de término antecipado do contrato por outros motivos que não a execução completa do objeto contratual.

Quais os motivos para rescisão unilateral do contrato?

Pela Administração Pública: descumprimento do edital ou de obrigações decorrentes de fiscalização, falência do administrado, caso fortuito ou força maior, razões de interesse público, descumprimento pelo administrado de obrigações legais relativas à reserva de cargos, dentre outros.

Pelo administrado: supressão de parte do objeto contratado, atraso nos pagamentos superior a 2 meses, suspensão na execução do contrato, não liberação da área para execução da obra, dentre outros.

Quais são as principais mudanças?

A subcontratação do objeto (não admitida no edital ou no contrato) deixa de ser motivo para a extinção do contrato.

Ao contrário do que acontecia na Lei 8.666/1993, a nova lei prevê que o atraso injustificado em obras e serviços deixa de ser causa imediata para extinção dos contratos. Nesses casos, cabe a aplicação de multa de mora, mas restará à Administração Pública a faculdade de determinar a extinção do contrato, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Destaque #4 – Meios alternativos de resolução de controvérsias

Palavras-chave: equilíbrio econômico-financeiro, dispute boards

Em que situações podem ser utilizados?

Os meios extrajudiciais para resolução de conflitos (conciliação, mediação, arbitragem e dispute boards) só serão aplicáveis às situações envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, como restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, inadimplemento e cálculo de indenizações.

A nova lei permitirá o aditamento dos contratos atualmente em vigor para inclusão de cláusula de adoção dos meios alternativos.

Dispute boards: inovação importante

A maior inovação trazida pela nova lei para resolução de controvérsias são os comitês de resolução de disputas (os dispute boards).

Segundo definição de Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), o dispute board “proporciona uma espécie de gerenciamento que previne o acirramento das divergências e conflitos oriundos do desgaste natural das relações entre as partes envolvidas.” A Lei 14.133/2021 não detalhou como será a utilização desse mecanismo, o que provavelmente acontecerá em sede de regulamentação.

É bastante positivo que a nova lei siga a tendência verificada em outras áreas do Direito, que incentivam a negociação por meios extrajudiciais visando o estímulo à autocomposição

(normalmente mais célere do que os mecanismos tradicionais), além de possibilitar a redução da sobrecarga do sistema judiciário.

Destaque #5 – Novas regras para aplicação de sanções 

Palavras-chave: anticorrupção, lesão à Administração e aos serviços públicos, impedimento de licitar e contratar, controle preventivo

Quais são as principais mudanças?

• As hipóteses de infrações administrativas antes previstas em diversas leis foram consolidadas e ampliadas, com maior ênfase na ocorrência de danos à Administração Pública, ao funcionamento dos serviços públicos e ao interesse coletivo, abrangendo condutas da Lei Anticorrupção.

• Danos à Administração passam a ser considerados na escolha de infrações a serem aplicadas, bem como a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade.

• A advertência pode ser aplicada exclusivamente para a infração de inexecução parcial do contrato, quando não se justificar penalidade mais grave. Sanção de multa não pode ser

inferior a 0,5% ou superior a 30% do valor do contrato.

• O impedimento de licitar e contratar por até 3 anos passa a ser aplicável de forma específica a diversas condutas, entre elas (i) inexecução parcial que cause grave dano à

Administração, ao funcionamento dos serviços públicos ou ao interesse coletivo, (ii) inexecução total do contrato, (iii) deixar de entregar documentação exigida para o certame, e (iv) não manter proposta ou celebrar contrato dentro do prazo, se não for justificada a aplicação de penalidade mais grave.

• No caso de aplicação de multa, o prazo para apresentação de defesa prévia passa a ser de 15 dias úteis. No caso das sanções de impedimento de licitar/contratar e declaração de inidoneidade, passa a ser exigida também a instauração de processo de responsabilização conduzido por comissão interna.

• Desconsideração da personalidade jurídica passa a ser aplicável quando houver abuso de direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática de ilícitos ou provocar confusão patrimonial.

• Contratações públicas passam a se submeter a práticas contínuas de gestão de riscos, fiscalização e controle preventivo.

Destaque #6 – Matriz de riscos

Palavras-chave: risco, alocação de riscos, matriz de riscos, previsibilidade, reequilíbrio

econômico-financeiro

O que é?

Cláusula contratual que define riscos e responsabilidades de cada parte. A matriz de riscos caracteriza o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em relação a eventos supervenientes e deve ser observada na solução de eventuais pleitos das partes.

Tem o objetivo de aumentar a segurança e previsibilidade da execução contratual, devendo estabelecer os mecanismos que afastem a ocorrência do sinistro e que mitiguem seus efeitos, caso este ocorra.

Em que situações poderá ser utilizada?

A matriz de riscos é obrigatória em contratações de obras e serviços de grande vulto (superiores a R$ 200 milhões), ou quando forem adotados os regimes de contratação integrada e semiintegrada. Para os demais casos, é opcional.

Compete à Administração Pública elaborar a matriz de riscos, que deve constar no edital. Apesar Av. Brigadeiro Faria Lima, 1.663, 5º Andar | São Paulo – SP | CEP 01452-001 | www.cgmlaw.com.br | +55 11 2394-8900 de a iniciativa privada não participar de sua elaboração, pode impugná-la.

Quais são as principais mudanças?

A matriz de riscos já era prevista na Lei das PPPs, Lei do RDC e na Lei das Estatais. Sua inclusão nos contratos regidos pela Lei 14.133/2021 difunde o mecanismo, trazendo maior previsibilidade e segurança para as partes e mitigando riscos de litigiosidade na execução do contrato.

Equipes de Concorrencial, Administrativo e Contratos Públicos, e Compliance e Ética Corporativa

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